Vista do "Quarteirão da Saúde" - década de 50
A extensão das transformações que acompanham o campo médico na história de São Paulo também pode ser verificada na história das suas instituições hospitalares. Por todo o período desses 450 anos os setores de atendimento médico desempenharam diversas funções que ampliam a idéia dos hospitais como locais exclusivos de cura e prevenção de doenças. Os hospitais brasileiros, de forma geral, foram constituídos como espaços de uma experiência social que se impõe acima de qualquer outro tipo de simplificação. Com o Hospital das Clínicas isso não poderia ser diferente.
A inauguração das instalações desse complexo hospitalar, complexo na quantidade de elementos e na infinidade de pontos de vistas possíveis, se deu no cruzamento da história do ensino médico, da produção de conhecimentos e da perspectiva de melhores e mais amplos locais de atenção à saúde da população, com que se busca dotar, até hoje, o Estado de São Paulo. A partir dessas perspectivas é possível tentar juntar alguns pontos para contar os momentos iniciais dessa história, sem ousar querer esgotar seus significados, mas pensando que reencontrar personagens e desejos é uma das possibilidades para se revigorar um processo vivo e pleno de significados.
O mais antigo local de acolhimento de doentes em São Paulo, foi a Santa Casa de Misericórdia, que teve diversas ligações com a história do ensino médico paulista e foi fundamental para a criação da Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo em 1912. Isso ocorreu tanto pelo início das atividades de clínica geral e de especialidades, quanto pelo ensino prático proporcionado a médicos, estudantes e recém formados.
No ambiente hospitalar, além de servir para o tratamento e acolhimento de doentes, iniciava-se um processo mais amplo que coadunava novas tentativas de tratamento com a perspectiva da produção de conhecimento científico, através da coleta de dados e da informação sobre doenças ali tratadas. Por outro lado, o hospital assumiu também responsabilidade no tocante ao ensino e a formação de profissionais, atividades que passavam a estar, cada vez mais, alinhadas aos conhecimentos e dos diferentes procedimentos que o trabalho hospitalar impunha.
A Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo foi criada pela Lei 1.357 de 19 de dezembro de 1912 e regulamentada pelo Decreto 2.344 de 21 de janeiro de 1913. Um dos pontos mais destacados desse projeto de ensino foi a indicação de uma base científica experimental, com ênfase em aulas práticas em laboratórios e prática clínica em diferentes serviços. A preocupação com a investigação esteve presente nas indicações que o médico, Arnaldo Vieira de Carvalho escolhido para o cargo de diretor da Faculdade, fez para a contratação dos professores da nova instituição. Além de todas as atividades os maiores esforços deste primeiro período foram direcionados para a construção de instalações próprias para o funcionamento da Faculdade de Medicina. Neste processo foi de extrema importância a participação da Fundação Rockefeller, principalmente, com as atividades de pesquisa e a melhoria das instalações das cadeiras de laboratório, anatomia, histologia, química, fisiologia e patologia.
Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo - 1928
A Fundação Rockefeller propôs um modelo de ensino médico para a Faculdade de Medicina que se apoiava em pontos bem característicos como: limitação do número de alunos, 80 por série, introdução do regime de tempo integral, sobretudo para as disciplinas pré-clínicas com a intensificação dos trabalhos de laboratório, admissão de alunos através de prova, a organização das disciplinas no sistema de departamentos e a vinculação do ensino clínico à estrutura de um hospital escola.
O tempo integral era quase uma realidade com a interseção do trabalho desenvolvido em sala de aula e nas dependências dos laboratórios da Rua Brigadeiro Tobias e nas atividades das enfermarias da Santa Casa. A ênfase na pesquisa também era um proposta convergente com esse modelo. A diminuição no número de alunos era por sua vez uma proposta anterior de Arnaldo. A única grande adaptação seria mesmo a criação do hospital escola, negociada com o governo Estadual.
Na data comemorativa da fundação de São Paulo, 25 de janeiro de 1920, foi lançada a pedra fundamental da sede da Faculdade de Medicina sob a responsabilidade da firma Ramos de Azevedo & Cia. e projetos dos professores Ernesto de Souza Campos, Benedicto Montenegro e Luiz Manoel Rezende Puech. Os trabalhos foram interrompidos durante a Revolução de 1930 e retomados com a mudança na diretoria da Faculdade, naquele ano assumida por Ernesto de Souza Campos, que teve como diretor o colega de comissão Resende Puech.
Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo - 1931
A inauguração do edifício dos Laboratórios da Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo, como foi denominada inicialmente, aconteceu em 15 de março de 1931, sob a direção de Sérgio de Paiva Meira Filho. As atividades da Faculdade tiveram a partir daí grande impulso e maior visibilidade, o que se refletia na procura cada vez maior por seu curso. As cadeiras básicas foram transferidas para o novo edifício, porém as clínicas continuaram funcionando em outras instalações. Os médicos recém formados começavam a ocupar espaços nas instituições existentes, muitos na própria Faculdade e outros na Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, aumentando cada vez mais as atividades em torno da saúde e da pesquisa médica no Estado de São Paulo.
Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo - 1931
“Toda a terraplenagem foi executada sem equipamento mecânico,
tendo sido empregadas apenas caçambas basculantes de tração animal.
A utilização de escavadeiras mecânicas foi utilizada apenas na
abertura da avenida principal, cujo nome hoje é Avenida
Dr. Enéas de Carvalho Aguiar” ,
depoimento do engenheiro Walfredo Cavalcanti.
A utilização de escavadeiras mecânicas foi utilizada apenas na
abertura da avenida principal, cujo nome hoje é Avenida
Dr. Enéas de Carvalho Aguiar” ,
depoimento do engenheiro Walfredo Cavalcanti.
O processo de organização da Faculdade de Medicina, aliado às alterações nos governos Federal e Estadual teve forte impacto na história do Hospital das Clínicas. A idéia da criação do Hospital foi dividida por alguns médicos da época em três momentos. O primeiro entre os anos de 1923 a 1926, em que se deram as negociações em torno da assinatura do compromisso entre governo Estadual e a Fundação Rockefeller para o planejamento e início das obras. Esse momento poderia ser estendido até os anos de 1929 e 1930, entre a finalização do projeto de construção e o cancelamento da edificação do Hospital, como um período de definição de prioridades para o ensino das cadeiras básicas e para os trabalhos de pesquisa dos docentes da Faculdade. O segundo seria entre os anos de 1931 a 1938, quando as atividades de atendimento continuavam a ser realizadas fora dos espaços específicos da Faculdade e a finalização das negociações para a construção do Hospital. E o terceiro momento, entre os anos de 1938 a 1944, quando a idéia de universidade já estava estabelecida nos meios acadêmicos paulistas, o projeto do Hospital das Clinicas foi retomado, a sua construção finalizada, o inicio da transferência das clínicas da Santa Casa, para o novo edifício.
Vista da Avenida Rebouças à direita - 1938
Em São Paulo, o médico Adhemar Pereira de Barros havia sido nomeado interventor federal em abril de 1938. Formado pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, em 1923 participou das esferas da política paulista desde a Revolução Constitucionalista, indicado médico oficial do exército. Nas suas atividades como governador deu especial atenção à área da saúde e dentro desta, à construção de hospitais.
Até aquele momento a parte do governo Estadual no acordo de construção do edifício do hospital-escola da Faculdade de Medicina não havia se cumprido, mesmo com as diversas tentativas feitas por representantes da Faculdade. Adhemar de Barros, por seu lado, indicava não apenas conhecer bem a dimensão pedagógica das atividades em local específico para o treinamento médico que um hospital-escola deve dispor, como também indicava pretender aumentar os espaços ao atendimento médico da população no Estado e concordou com a retomada da construção.
A obra foi reiniciada em 10 de outubro de 1938 com a cerimônia de lançamento da pedra fundamental por Adhemar Pereira de Barros, que encerrou, na urna apropriada, a ata descritiva da cerimônia, algumas moedas e os jornais do dia, assentando assim o marco inicial da construção. Em seguida cortou a fita simbólica, inaugurando a Avenida Adhemar de Barros, hoje Avenida Dr. Enéas de Carvalho Aguiar.
Lançamento da pedra fundamental - 10 de outubro de 1938
Nas suas palavras, em discurso pronunciado no ato inaugural das obras, a construção do Hospital das Clínicas facilitaria “... a adoção, entre nós, do sistema de internatos mundialmente reconhecido hoje como a melhor organização para a formação de especialistas”. Valorizando também a criação do Hospital como local de atendimento, dizendo: “Não foi somente uma razão pedagógica que me levou a autorizar a construção do Hospital das Clínicas. Foi também um imperativo social: solução da crise nosocomial do nosso Estado... E o Hospital das Clínicas, com capacidade para cerca de 1.000 leitos, representa incontestavelmente um valioso auxílio para a solução do magno problema de assistência hospitalar aos necessitados”.
Comissão de Obras da construção do Hospital das Clinicas – 1938
A construção do Hospital das Clínicas foi iniciada sob a supervisão da Comissão de Instalação e Organização do Hospital das Clínicas formada pelos secretário da Educação e Saúde Pública, Mário Guimarães de Barros Lins, o reitor da Universidade de São Paulo, Domingos Rubião Alves Meira, o diretor da Faculdade de Medicina, Ludgero da Cunha Motta e o médico, Odair Pacheco Pedroso. O engenheiro responsável pela obra foi Abrahão Leite, auxiliado pelos engenheiros Guilherme de Amaral Lira, Walfredo de Albuquerque Cavalcanti e pelo arquiteto João Serato. O projeto foi idealizado e construído pela Companhia Construtora Nacional S.A., sob a gerência comercial de Charles Kernen.
Adhemar de Barros
visita obras - 1939
Obelisco comemorativo do início da construção - 1939
O edifício seguiu a mais moderna arquitetura da época.Construído em cimento armado tinha a forma de “H” geminado com uma área física de 4.600 metros quadrados, distribuídos em 11 andares, com capacidade para 1.200 leitos, 207 enfermarias, 17 salas cirúrgicas, 106 quartos de um a dois leitos, 125 conjuntos sanitários e 600 outras dependências.
O Hospital das Clínicas foi inaugurado em 19 de abril de 1944, pelo interventor federal Fernando Corrêa da Costa, dentro das solenidades comemorativas do aniversário natalício do presidente Getulio Vargas. A cerimônia teve início com o descerramento da cortina que cobria a placa comemorativa onde se lia: “Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, iniciado no governo de Adhemar de Barros em 10 de outubro de 1938, sendo diretor da Faculdade de Medicina o professor L. da Cunha Motta concluído no governo de Fernando Costa em abril de 1944, sendo diretor da Faculdade de Medicina o professor Benedicto Montenegro e do Conselho de Administração o professor F.E.Godoy, chefe do Corpo Clínico”. Após o protocolo cerimonial Fernando de Souza Costa cortou a fita simbólica declarando inaugurado o Hospital das Clínicas. Em seguida as autoridades caminharam pelas dependências do hospital, principalmente onde já existiam pacientes internados.
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